quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

LOURO, O FERA

Louro Fera estava recolhido ao presídio há quase um mês. Sua amante, a Eufrasina, não perdia um dia de visita.
- Escuta, mulher, prestenção!
- O que foi, meu dengo? Que foi que eu fiz?
- Eu só quero saber quando é que eu vou sair daqui!
- Meu chamego, eu já falei com o advogado! Ele já tá com tudo em riba!
- Será que daqui pro fim da semana eu saio?
 Com uma semana, o Louro Fera foi posto em liberdade.
 Em casa, ela foi taxativa:
- Vou só te dizer uma coisa, vê se tu num se mete mais em bronca!
- Podexá, minha comadre, o Louro Fera morreu aqui! Agora do teu lado tá outro homem, o Gilberto de Sousa!
- No fim do mês tua pessoa tem que dar uma chegada lá no fórum pra uma audiência!
-Já falei que agora sou outro, deixa de aporrinhar!
  Mas vivia se metendo em confusão pelos botequins e bocas-de-fumo da cidade.
- Gilberto, tu continua sendo o Louro Fera que eu nunca devia ter conhecido!
-Que é isso, minha flor, fale assim não!
- Amanhã tem que se apresentar à Justiça às nove da manhã!
-Tem problema não, eu num disse que ia!
Voltou perto da meia-noite. Acordou em cima da hora para estar frente a frente com o  juiz, no processo que respondia por roubo de carro. Saiu às pressas. Deu uma olhada e viu um táxi parado em frente a um botequim, com o taxista pegando um sanduba com um refri.  Não teve dúvidas: entrou no carro e acelerou. O taxista se apavorou:
-Socorro, ladrão tão roubando meu carro!
 E subiu numa moto de um motoqueiro que entregava medicamentos.
Os policiais da viatura da PM estavam confusos:
-Atenção, câmbio, soldado Uchoa falando...
-Positivo, soldado Uchoa, na escuta, câmbio!
-É pra pegar o taxista? Ou o motoqueiro? Que miséria de tanto ladrão é essa!
 Finalmente, o Louro Fera chegou ao Fórum e entupiu na sala de audiência. E colado com ele o taxista, que afirmou:
-Segure esse homem aí que ele roubou meu carro!
O motoqueiro veio logo atrás e acusou o taxista de ter roubado sua moto. Como ninguém sabia mais quem era quem a audiência foi suspensa.
 Para a sorte do Louro Fera, que adormece entre um cafuné e outro da Eufrasina...

E AÍ, ZÉ?

Em boa parte da Chapada da Ibiapaba,

o cidadão não sabe se é cearense ou piauiense.

Aí sonega imposto nos dois estados,

vota nos dois estados e apanha das duas polícias.

E essa história está com um tempão.

CHOVE CHUVA

 Valderi não se conformava com o toró que caía cedo da manhã. Resmungava alto, no pé do ouvida da Do Carmo, sua mulher:
-Mas ainda estamos em janeiro e já tá chovendo? Ô chuvinha chata, Deus que me perdoe!
-Tem paciência, macho véi! O calor tava demais!
-Pois eu prefiro o calor de que chegar no trabalho todo molhado!
-Deixa de fazer drama, a chuva passa já!
Alguns minutos depois, o homem voltou a falar:
-Cadê que passou? Eu vou acabar perdendo o emprego!
A mulher lhe entregou uma sombrinha com enfeite de borboletas. Valderi pegou gás e falou invocado:
-Escuta, Do Carmo, tá me estranhando, é? Eu lá vou sair com isso!
-Mas tu é mesmo cheio de frescura! Pega a sombrinha logo, bora!
Percebendo que o céu ficava a cada instante mais carregado, resolveu aceitar a  sombrinha:
-Tudo bem, me dá essa miséria! Mas primeiro eu vou tirar as borboletas!
-Num seja nem besta de rasgar minha sombrinha, fariseu!
Saiu em direção ao trabalho e se deu bem. No meio do caminho apareceu uma louraça que insistiu em ir com ele debaixo da sombrinha até o ponto do ônibus.   A chuva já passou e até agora nem sinal do Valderi...

CABEÇA DE PAPEL

Quando criança quis ser várias coisas:
chofer de caminhão,
vigia noturno, soldado de polícia, talvez pelo apego
aos soldadinhos de chumbo.
Meus sonhos eram ricos  
alimentados  pela inocência.
Mas caí na besteira de crescer.
Como diria mestre Ataulfo, “eu não sei porque que a gente cresce..”