segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O FANÁTICO

seu Maciel não tinha papas na língua. E quando era perguntado o porquê de gostar tanto de pegar nas alças do caixão e levar o defunto até a cova, era categórico:
- Desde rapazinho que peguei o gosto de acompanhar tudo que é defunto!
 Um menino entrou na bodega onde estava o seu Maciel e falou aos berros:
-Socorro, acuda, o seu Pacheco tá passando mal!
-O que é que ele tá sentindo? Fala, menino!
 -Eu num sei direito! Mas a mulher dele disse que ele tava se entortando!
Então o caso é grave! Eu vou logo providenciar o meu paletó!
-Mas seu Maciel, o homem ainda num morreu!
- Num morreu, mas vai morrer! Essa doença antigamente era chamada de trombose!  Agora é  AVC!
-E como o senhor sabe que doença o seu Pacheco tem se num tá lá?
-Tenho mais de 50 anos de experiência! Agora dá licença que eu vou ter que falar com a Valdenora pra deixar minha roupa toda nos trinques!
Algumas horas depois, o Pacheco veio a falecer. O pessoal que estava na bodega comentava:
- Até o nome da doença ele acertou!
- Negrada, se eu adoecer num vá dizer nada pra ele não! É um agourento de primeira!
Em casa, o seu Maciel indagava à mulher:
-Valdenora, qual é o que fica melhor pra pegar na alça do caixão do Pacheco! Ele era capitão da Polícia!
 -Eu acho que essa gravata verde oliva vai bem demais! A calça também tem que ser da mesma cor!
O caixão saiu pelas ruas do bairro, já que o cemitério era próximo. O homem já estava impaciente. Já avistava o cemitério  mas nada de pegar na alça do caixão. Sempre que insistia levava um não:
-Obrigado, não é preciso!
O homem foi se irritando. E quando tentou pela última vez e recebeu mais um não, se invocou. Parou e falou bem alto:
- Podem enterrar esse defunto fuleiro!! Eu já enterrei as maiores autoridades aqui do bairro, tão ouvindo, magote de safado?
 Foi detido por policiais, mas logo liberado.
 Está internado em hospital psiquiátrico com um diagnóstico inusitado: “Morbidez aguda”.