sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O Passeio

Chegou pertinho da namorada e cochichou em seu ouvido:
-Vambora dar uma volta pela cidade, pela praia?
-Num acredito que tu vai me levar pra Beira Mar de táxi!
-Quem falou em Beira Mar, Mazé!
-Num foi tu, nesse instantim?
Tu entendeu mal! Eu falei pra dar uma volta pela cidade!
-E então, num dá na mesma coisa?
-Bom, é que nó vamos pegar o Circular 1 e depois passar pro 2!
-Cumequié? Tá pensando que eu tô asilada assim pra andar de ônibus?
Conversa vai, conversa vem, chegaram a um acordo. Apanharam o coletivo perto do mercado e se mandaram. Mas logo tiveram uma surpresa desgradável: dois ladrões entupiram no ônibus e abarcaram o Zé Rosendo:
-Bora, fuleiragem, passa a grana, bora!
-Mas que grana, doutor bandido? Eus tem o dinheiro da volta!
Para não perderem a viagem, os malacas levaram os cinco reais do homem que veio a pé la da Perimetral com a mulher azuvrinando seus ouvidos:
-Depois dessa eu vou arranjar é um homem que tenha dinheiro! Pobre nasceu de ruim...

Matias era mais uma vítima do alcoolismo. E pior ainda: quando bebia assumia outra personalidade. Quando bebia virava gay. Os amigos mais chegados sabiam do fato, e comentavam na pracinha principal do bairro:
-Olha, mermão, se eu num fosse amigo do Matias eu não estava assim como estou, preocupado!
-Eu também, cara! De repente ele resolve beber e passa a desmunhecar!
-Tá lembrado da última vez que ele bebeu? Cismou de sair como a rainha do Acaracuzinho!
-Mas nunca mais ele andou biritando, isso é o que é mais importante!
-Pois é, depois que arranjou a Valdenora, tá outro! Disse pra mim que a bebida não fazia mais a cabeça dele!
Há cinco anos não triscava em bebida. E a Valdenora quando via alguém bêbado, falava:
-Ainda bem que o meu Matias já vai fazer cinco anos que abandonou essa desgraça! Agora ele tá vivendo só pra mim!
Amulher estava enganada. Ele estava tendo um caso com a Vilma, uma colega de trabalho.
-Vilma, minha flor, tu tá sabendo que meu caso com a Valdenora já minchou! Por que nós num junta os nossos bregueços e se manda daqui!
-Mas tu é doido, Matias! Tá esquecida que eu tenho um filhinho pequeno?
E por acaso tu não ver o meu lado? Eu vivo com a Valdenora já faz cinco anos!
A mulher rebateu em um tom de voz forte:
Quer saber de uma coisa,? Vamos encerrar o nosso papo aqui! Eu acho que o que eu senti por tua pessoa foi só uma paixão de menina do buchão!
Que é isso, Vilma, pirou de vez?
-Nada não, agora deixa eu ir simbora que já tá ficando muito tarde!
-E como é que a gente fica? Fala alguma coisa?
- Não ficamos mais! Faça de conta que nada aconteceu entre a gente! Eu vou viver a minha vida, cuidar do meu filho e ir à luta!
Aquele adeus foi uma punhalada na alma apaixonada do Matias. Ele saiu meio atordoado pelas ruas e logo deu de cara com alguns amigos de copo. Entrou no meio deles virando a cachaça na boca..E logo endoidou. Começou a passar a mão sobre os cabelos de um sujeito que estava no bar.
-Qualé, meu prezado! Que história é essa? Vai logo se afastando porque eu num gosto de macho não!
-Sabia que tu é o máximo, meu neguim? Eu gosto de caboco assim que nem tu, ó!
Os dois acabaram se atracando na base de muita porrada. Em seguida, foram encaminhados à delegacia plantonista. Matias já está livre. Mas preso a um incontrolável remorso que lhe traz por entre lágrimas: belas recordações do tempo em que permaneceu sóbrio.

OS EXAMES

Chegou em casa chateado e foi logo falando para a Das Dores, sua mulher:
-Mas isso é uma miséria! Pra ser empregado da fábrica é preciso fazer uns duzentos  exames de sangue!
-Barbeirim, eu num to acreditando! Tu vai se empregar, homem de Deus! Mas que felicidade!
-Fazer o quê, né? Bem que eu num queria, mas quiseram!
-Mas deixa de ser ingrato! Tanta gente precisando dum emprego e tu botando banca?
-Sacomé, minha neguinha, eu to acostumado a bater o centro cedim com a rapaziada...
-Quer dizer que tu tá dizendo que prefere amanhecer o dia num bar do que ir trabalhar? Tenha vergonha nessa cara!
Logo falou o que tinha ocorrido com os colegas de copo:
-Pois amanhã mesmo eu vou começar a fazer esses exames de sangue!
-Peraí, aqui também tem de feze e urina!
-Vixe, eu pensei que era só de sangue!
-Fica tranqüilo, com três dias tu resolve tudo!
-Pois é, fica frio, depois a gente comemora!
E o homem começou sua peregrinação para fazer tais exames. Fez os de sangue, mediu a taxa de colesterol, soube como estava a glicemia, mas foi chamado à sala da enfermeira chefe:
-O senhor é mesmo homem, seu Chico Antonio?
-Sou, sim, senhora! Mas pode me chamar de Barbeirim! Tem alguma coisa errada? Agora eu me invoquei!
-É que aqui tem um exame de Papanicolau!
-Papa o quê?
-Papanicolau, mas deve ter sido um engano!
-Quer dizer que vou passar mais um dia sem beber, digo, sem receber o resultado?
-Amanhã traga o de fezes e urina!
No dia seguinte, o Chico Antonio entrou no posto de saúde levando os exames. A atendente nem prestou atenção no homem com os dois resultados em dois vidros. Contava era o capítulo da novela para uma amiga.
-Mulher, tu viu ontem? O Josué querendo atacar o Xavier? Mas ele fugiu!
-Mas boa também tá aquela outra, esqueci o nome!
Enquanto isso, o Chico Antonio não parava de gritar:
-Ei, minha santa, pegue aqui meus exames!
De tanto o homem se esgoelar, ela finalmente respondeu:
-Mas pobre só quer ser o cão! Fica quieto aí, num tá vendo que eu tô contando a novela?
Foi demais pro Chico Antonio que papocou os exames de fezes e urina em cima da atendente. Contam que o fato virou novela real naquele posto de saúde...

O Cúmplice

Tinha pavor a ladrão.
Ódio mortal.
Depois de tomar umas doses para almoçar,
Chaguinha pegou o rumo de casa.
Ao chegar próximo viu um vulto saindo do quarto
com algo no braço.
Visualizou que era um rapaz alto, moreno e levava
um som comprado no dia anterior por sua filha,
a Dorinha, com quem morava.
Pacientemente, indicou a saída para o rapaz:
- Essa portinha dá um trabalho danado! Passe, meu jovem!
Caminhou até a cozinha onde encontrou a filha cantarolando, enquanto lavava algumas louças.
Pensou por alguns segundos e tascou:
-Minha filha, esse seu namorado é um ingrato!
Abri a porta pra ele que nem agradeceu!
E perguntou de maneira fulminante:
- É com esse jumento que você vai querer casar?
-O senhor deve ter aberto a porta pra outra pessoa! O Julinho tá viajando!
Ao saber que tinha sido cúmplice do ladrão,
Chaguinha passou ruim e está sob cuidados médicos.
Até agora, nenhuma pista do ladrão, como diria a crônica policial.

Que médicos?

Aquelas duas sabem de tudo.
-Mulher, já tá sabendo?
-Sabendo de que, criatura?
-Mas neguinha como tu é desinformada, credo!
-Fala logo, desembucha!
-A saúde no Ceará está em coma, pra morrer mesmo!
-Eu já tava mais ou menos por dentro desse babado!
-Pois é, sabes quantos médicos existem para cada mil habitantes? Só unzinho!
-Vambora mudar de assunto, já tô me sentindo médico!
-Num vá dar um piripaque agora não, porque daqui que localize esse médico...
                      (Desce pano rápido)